segunda-feira, 16 de maio de 2011

Inevitabilidade

Firenze - Itália
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La Dimora del Centro - Piazza della Repubblica
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Acorda em uma manhã fria de dezembro. Florença, linda, lhe trazia um belo amanhecer visto pela sua janela, um dia cinzento.
Tomou seu café da manhã, oferecido pela pousada, e resolveu sair pela cidade. Vestiu seu sobretudo, colocou sua boina, e começou a atravessar a Praça da República. Ninguém brincava no carrosel.

Andou pelas pequenas ruas da cidade, visitou bazares, sebos, antiquários, e antes do parar para o almoço passeou pelo Museo di Palazzo Davanzati. De volta a praça, almoçou demoradamente no Giubbe Rosse e logo pediu um café, enquanto olhava o movimento ao seu redor. No dia seguinte começaria a conhecer as pequenas cidades da região, o que lhe agradava mais do que as grandes cidades turísticas.

- Hum... estava ótimo este chocolate quente. Apesar de tanta gente tomando café por aqui, esse cheiro me enjoa.

A voz vinha da mesa às suas costas. Brasileiros. Apenas levantou uma sombrancelha ao perceber que falavam com o atendente em inglês. Eles iriam passear pelas igrejas da cidade.
"Hum, arrivederci, see you later, seja você quem for."
Eles saíram, mas ele não procurou os ver. Retirou um baralho de tarot do seu bolso interno e escolheu uma carta aleatoriamente. A Roda da Fortuna.
"Mudanças? Não, obrigado." E colocou a carta de volta no baralho.

- Perdone, Signore, pero quello signore inviato questo per Lei.
- Grazie.
- Prego.

"αναπόφευκτος"
"O que isso quer dizer?" Olhou de volta para o velho, e ele já havia sumido.
"Aiai, cada um que me aparece."

Ele vai até a Basilica di Santa Maria del Fiore. Estava com um bom número de turistas lá dentro, ele anda vagarosamente entre as obras de arte, parando para observar algumas mais demoradamente. Algum tempo depois a missa tem início, mas ele havia frequentado à missas mais do que gostaria naquela viagem, decidiu sai e comer algo.
Ela também estava na basilica, com seus pais, e ao iniciar a missa eles também preferiram sair. A mãe da moça olha ao redor e decide ir no mesmo café em que ele estava. A moça a acompanha, mas o pai prefere voltar ao hotel, havia sido um dia cansativo.

Ele senta nos lugares colocados na calçada, com vista para a bela igreja, pede um lanche leve, e começa a ler o livro que trazia consigo.
Mãe e filha sentam-se próximas a ele, não se olham, desconhecidos que são. A moça também começa a ler, um livro sobre o antigo egito, ele nota. Sempre observa o que as pessoas estão lendo.
Volta para sua própria leitura sem prestar mais atenção.

Em determinado momento ele levanta a cabeça do seu livro e dirige seu olhar para as nuvens, pensando na rota final da sua viagem, e começa a brincar distraidamente com uma mecha do seu cabelo.
Ele não percebeu em que momento começou, mas notou que estava sendo observado. Um sorriso apareceu no canto da sua boca, mas não se virou para olhar.

- Vou no banheiro.

Quem quer que fosse que tinha se levantado, não era quem lhe observava, achava engraçado caso olhasse para o lado e ninguém estivesse olhando para ele. Olhou de relance para a entrada da igreja. O velho estava lá, o observando. Ele se senta desconfortável em sua cadeira no café, e quando volta o olhar novamente para o velho, a multidão começa a sair de dentro da basilica, e não consegue mais vê-lo.

Ele olha para o lado, momentaneamente esquecido da sensação de estar sendo observado e a vê.
Longos cabelos cacheados, olhos castanhos. O velho se torna uma lembrança de outros tempos, o velho tempo.
Ela sorri com vergonha, e vira o rosto, ele continua a encarando. Levanta-se e vai a sua mesa.

- Posso sentar?
Ela o olha surpresa.
- Você fala português?
- Sim, falo, e tu também.
- Nossa, que coincidência.
Ele sorri.
- Coincidências não existem. Sabe, não sei porque, mas tive uma vontade enorme de vir aqui lhe desejar boa noite.


Ele se senta e começam a conversar. Logo sua mãe volta, mas se senta um pouco afastada a ver a filha conversar com o estranho. Apenas observando tudo.
Ao fim daquele dia ainda estavam lá, conversando de mãos dadas, planejando o que fazer no dia seguinte.
Ao se despedir, o melhor beijo que já havia recebido.
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